terça-feira, 14 de julho de 2009

Rabiscos de um caderno de faculdade


Tem dias em que uma faxina no quarto é a melhor coisa. Sim, aqueles domingos cinzentos em que sair de casa é quase proibido. E todos sabemos bem como são essas faxinas: procuramos as coisas velhas, as separamos e deixamos num canto. Então, olhamos cada uma delas, lembramos de momentos diferentes da vida e, no fim, tudo volta para onde estava e pouca coisa é realmente descartada. Em uma dessas limpezas, encontrei meu antigo caderno de faculdade. Caderno grande, foi usado nos quatro anos, já que eu sempre fui econômico no espaço dos textos.

Via de regra, comecei a folheá-lo pelas páginas de trás. Afinal, a essência sempre está lá. Não a matéria, o ensinamento que nem sempre você queria receber, mas apenas o que lhe interessava naquele momento. As últimas páginas de um caderno bem usado determinam, muitas vezes, o comportamento das pessoas. Tem gente que sequer lembra dele. Tem outros que enchem de desenhos. Tem quem apenas lembre daquele ponto quando vai testar canetas. No meu caso, sempre foi ali que escrevi o que realmente sentia, pensava e vivia. Sem obrigações, sem medo, sem memória, sem moral. Apenas rabiscava traços, desenhava pessoas e jogava, despreocupadamente, o que estava na cabeça, fosse bom ou ruim.

E na minha cabeça, durante o período de faculdade, tinha muito sonho. Tinha muito sono. Tinha sopro de esperança de alguém que pouco conhecia o jornalismo e sequer sabia o que era RP. Encontrei, emocionado, suspiros de um estudante que ainda sabia pouco sobre a vida, sofreu quase nada e mesclava um esboço de vida adulta com um ranço gostoso de adolescência. Em linhas mal escritas e rasuras impensadas, ideias do que somos, do que sonhamos, do sono que sentimos.

Também não pude deixar de pensar no tempo que passou. Entre aqueles grafites rasurados e o texto digitado que você lê aqui, o que mudou. O que foi aproveitado. O que não foi. Quem se foi. Quem chegou. E amores. E amigos. E as mudanças. Me modifiquei, mas mantive meu mantra. Mudei, mesmo mesclando mulheres, mensalidades, martírios. Jamais me sentirei pleno. Jamais serei inteiro.

Não consegui me desfazer do caderno. Como previa, ele apenas voltou ao fundo do armário. Memórias foram junto. Alguns anos depois, sonhos que ali estavam seguem sendo somados ao suor de todo dia. Hoje, há um novo caderno. Novos ensinamentos me são passados. Novos profissionais compartilham certezas com cobranças, sentimentos com saudade. Mas as últimas páginas, ah...Elas permanecem sendo escritas.

Luís Joly é jornalista, escritor e tem vários, vários cadernos cheios de poemas, crônicas, textos e afins. Pretende ficar famoso para, depois de morrer, a família publicar tudo e ficar rica. Ah, e o blog dele é http://jacksenna.blogspot.com

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