quinta-feira, 28 de junho de 2012

A gente não "podemos" fazer nada!



Há dez dias, passei por uma experiência bem desagradável. Fui a uma cerimônia de cremação no Crematório Municipal da Vila Alpina, em São Paulo. Claro que o simples fato de estar naquele local, tornava meu sábado um bocado triste. Depois de 70 dias internada numa UTI, Judith, esposa do Nelson, um grande amigo do meu marido, veio a falecer. Era uma pessoa alegre, inteligente, doce e muito querida. A emoção e a tristeza tomaram conta de centenas de amigos.

Ao final da cerimônia, encontro meu carro – que estava estacionado numa vaga formal, dentro das instalações do Crematório – suspenso por um macaco e com as duas rodas do lado esquerdo furtadas. A cena é ridícula! Assustadora! Por um minuto temi que o ladrão voltasse para buscar o macaco. Trêmula e branca, tal como uma assombração (ops, desculpem a infeliz comparação...), corri para a administração do local para comentar o fato. Todos foram atenciosos, mas sempre deixando claro que “não tem nada que possamos fazer”. Pedi a presença da Guarda Civil Metropolitana, responsável pelo policiamento do local que, igualmente gentil e atenciosa, dizia “não tem nada o que podemos fazer”.
Óbvio que, diante da dor dos familiares da Judith, que olhavam chocados para o meu carro, relativizei minha raiva e meu problema. Eram só duas rodas e o guincho chegaria em minutos para levar o carro para uma oficina autorizada. O sofrimento deles não tem guincho que pudesse minimizar.
Então, parti para a solução do problema e, na terça-feira, após desembolsar R$ 1.790,00 , estava com o carro em ordem. Saí da concessionária, andei menos de dois quilômetros e percebi que minha sensação não era de problema resolvido. Me dei conta de que o problema poderia acontecer novamente, pois, se mesmo dentro de um estacionamento isso acontece, eu estava vulnerável para passar por isso novamente. Comecei a escutar as vozes simpáticas dizendo “não podemos fazer nada”.
Aí entendi a origem das fobias e das neuroses. Naquele exato momento, eu podia ir para casa, me trancar para me resguardar das violências do mundo, ou enfrentava o medo e pensava: o que eu posso fazer? Voltei para a concessionária e troquei ideias com os técnicos sobre dispositivos existentes que poderiam evitar que rodas e estepes sejam roubados.
Investi mais R$ 511,00 e instalei tais dispositivos. Foi um investimento mesmo. Afinal, fiz isso pela minha sanidade emocional. Para que eu pudesse continuar vivendo sem me sentir ameaçada a cada esquina. E meu objetivo ao registrar esta experiência é compartilhar uma vivência importante para todos que moram em cidades violentas e agressivas. Entrar na neura, é fácil. Daí nascem as síndromes do pânico, as depressões e outras patologias. Infelizmente, é a pura verdade: ninguém faz nada por nós (não é certo, mas é assim que acontece!). Porém, nós podemos ficar atentos e optar por viver, apesar de tudo.
A tentação de colocar a boca no mundo é enorme. De dizer que eu pago os impostos, IPVA, seguro obrigatório, taxa de licenciamento e mais isso, aquilo e aquilo outro. Mas isso daria outra pauta, outra discussão. #ficaadica somente do “tem tudo o que você pode fazer por você”.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fazendo algo com paixão

Fui convidado pela LVBA para escrever um post no 806 sobre o livro do Chaves, que recentemente foi publicado em uma nova edição. O texto abaixo é resultado de um pensamento vivo, de frases soltas e ideias que quis escrever. Espero que curtam – e leiam até o fim. J

Foi na faculdade, no início dos anos 2000, a partir da amizade com Fernando Thuler, que surgiu a primeira ideia de fazer algo sobre o Chaves. Sim, o Chaves, do SBT. Vítima de eternas piadas e preconceitos, Chaves, àquela altura, já era exibido há quase vinte anos. Menos do que os quase trinta a serem completados em 2014, mas ainda muito.

Hoje, falar de Chaves é bacana, é engraçado. Os dois maiores seriados de Roberto Gómez Bolaños, criador dos programas e intérprete do menino Chaves, nasceram no início dos anos 1970. Em 1970, surgiu o seriado “El Chapulín Colorado”, enquanto “El Chavo” veio no ano seguinte, em 1971. Ambos foram resultados de esquetes que Bolaños havia criado anteriormente, em passagens por uma agência de publicidade e um programa de variedades na TV.

Fernando Thuler e eu – mais tarde o amigo Paulo Franco juntaria-se ao projeto – não tivemos vida fácil. Afinal, como seria possível fazer um TCC – o temido Trabalho de Conclusão de Curso – abordando um tema tão “chulo”? Sim, na visão de muitos alunos, falar sobre Chaves no TCC era apenas uma forma de levar o projeto “nas coxas”.

Mas o que eles não perceberam foi a paixão em nossos olhos. Com a palavra, nosso orientador do TCC, Marcelo Rollemberg:

“Quando Luís Joly me procurou, no começo de 2003, para me convidar a orientar o Trabalho de Conclusão de Curso – o sempre temido e instigante TCC – de seu grupo, confesso que fiquei em dúvida quanto ao tema escolhido. Ele e Fernando Thuler – mais tarde também entraria Paulo Franco – queriam fazer um livro-reportagem sobre o Chaves. Quem? O Chaves. O do SBT? O próprio. Em um primeiro momento, tomado talvez de uma arrogância intelectual que pouco ou nada tem a ver comigo, mas que vez por outra nos pega desprevenidos, não achei a ideia tão boa assim. Ainda mais para um livro-reportagem. Mas essa sensação deve ter durado um minuto. No minuto seguinte, já começava a me convencer de que, sim, a ideia era boa e de que aqueles rapazes tinham condições de fazer um belo trabalho a respeito.”

Sim, escolhemos um tema que nos despertasse a paixão. Assim deve ser na vida. A mesma paixão que levou Bolaños a criar suas séries, ou a que faz um arquiteto concluir um projeto, um piloto vencer uma corrida. Nada feito sem paixão é bem feito. Aos olhos externos, pode até parecer bom. Mas, internamente, você sentirá um vazio imenso ao concluir um projeto feito sem paixão.

Quando Fernando Thuler e eu decidimos fazer um livro-reportagem sobre o Chaves – o primeiro publicado no Brasil -, tínhamos paixão em cada frase. Deu trabalho, claro. Pesquisar sobre Chaves é complicado. Estamos falando de um assunto antigo, cheio de incertezas, boatos, lendas e mistérios. Decifrar o que é verdade ou o que é história é difícil. Mas a apuração é a essência do jornalismo. E, claro, somos apaixonados por jornalismo.

Eu me lembro quando o livro foi impresso. Trabalhava em outra agência quando a caixa chegou. Vinte livros, exemplares do autor. A agência parou para ver. Todos, menos eu. Queria ver a capa apenas quando estivesse com o Fernando. Tiramos a foto abaixo. Os funcionários segurando o livro. Quem tirou a foto fui eu. Mas, quase de olhos fechados.

Apenas fui focar na capa do livro quando encontrei com o Thuler, mais tarde naquele dia. E tive um prazer que jamais havia sentido. O resultado de tanto trabalho, e insistência para conseguir uma editora, dois anos e meio de portas na cara, professores rindo, entrevistas, suor, estava tudo ali, nas minhas mãos. As lágrimas vieram, a alegria de fazer alguma diferença no mundo. Pequena, ínfima, irrisória. Mas uma diferença.

Dizem que um homem deve plantar um filho, escrever uma árvore e ler um livro – não necessariamente nessa mesma ordem. J De qualquer forma, dois já foram.

Meses depois do lançamento, conferindo um fórum de internet para fãs de Chaves, me deparei com a seguinte declaração de um fã de 12 anos: “este foi o primeiro livro que li com muito prazer. Foi a primeira vez que li algo que realmente queria”. Poxa, eu estava lá, estimulando a leitura de jovens brasileiros? Quem sou eu pra isso?

Não sou ninguém. Sou só um apaixonado.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O saco sem fundo


Poucas coisas me irritam tanto como as constantes denúncias de corrupção, em todos os níveis de nosso Governo. Na verdade, não são as denúncias que me irritam – elas inclusive ajudam ou deveriam ajudar a combater esse mal – mas a constante “cachoeira” de incidentes, todos envolvendo milhões de reais, que despeja, todos os dias, novos fatos sobre uma velha prática.

Por que isso me irrita tanto? Primeiro, porque tira de quem precisa para entregar a quem não merece. O desvio de verbas de educação, saúde, limpeza pública, transportes e outros tantos itens prejudica a sociedade como um todo, encolhendo cada vez mais um orçamento que, por si só, é sempre mais restrito que a necessidade.

Segundo, porque os envolvidos sempre são aqueles que deveriam zelar pelo dinheiro público, protegendo a sociedade – uma versão atualizada da raposa tomando conta do galinheiro.

Terceiro porque, na eventualidade de alguma denúncia ser acolhida, o período de tempo entre essa denúncia e as medidas legais de punição, incluindo recursos, etc., leva tantos anos que todos nos esquecemos da causa – isso quando a punição não se limita a uma aposentadoria compulsória, paga por nós, ampliando o rombo da Previdência; belo castigo!

O que me incomoda, porém, é a percepção de que as pessoas já estão cansadas disso tudo. A sucessiva e avassaladora produção de denúncias tem contribuído, principalmente, para a banalização do problema, transformando a corrupção num “estilo” de vida.

É frustrante, sim, mas não podemos desistir. Precisamos continuar reclamando, denunciando, protestando.

E, principalmente, fazendo a nossa parte, para acabar de vez com esse saco sem fundo.

Flavio Piccolo é Diretor Financeiro da LVBA