quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Um dia de fúria

Sexta-feira, dia 3 de setembro, véspera de final de semana prolongado por conta de um feriado na terça-feira, 16 horas. Estou saindo de uma reunião num hotel na região da Av. Paulista, em São Paulo. Pago o estacionamento, pego o ticket e, enquanto aguardo a chegada do carro, graças ao meu Nokia N97, leio meus e-mails, faço duas ligações e troco SMSs com uma cliente que saiu da mesma reunião que eu e estava a caminho do Aeroporto de Congonhas. Tantas atividades não permitiram que eu percebesse que acabaram se passando vinte minutos e nada do meu carro chegar. Perguntei à recepcionista do estacionamento o que estava acontecendo e ela respondeu de forma bem assertiva “já pedi o carro. Não posso fazer mais nada”. Tentei dialogar, comentando que eu já estava esperando pelo carro há mais de vinte minutos e ela, então, esclareceu “Honda fica no último andar”. Fiz cara de concordância e pensei “ah, tá!!!”.

Voltei ao meu escritório virtual. Mais e-mails e duas ligações. Chegamos aos trinta minutos e nada do carro. Até que vi um Honda Fit sendo entregue a uma pessoa que chegou bem depois de mim. Me virei à nada atenciosa recepcionista e disse “e agora? A dona desse Honda chegou bem depois de mim?”. E, novamente, a resposta “já pedi o carro. Não posso fazer nada”. Comecei a pensar no que fazer. A administradora do estacionamento não era nenhuma grande rede. No balcão de atendimento e no ticket não havia o telefone da empresa caso eu quisesse entrar em contato. Imaginei que se eu pedisse o telefone para a amiga recepcionista, encontraria do outro lado da linha outra simpática atendente que diria “eu não posso fazer nada”. Talvez esse fosse o slogan da empresa.

Ir à gerência do hotel e reclamar? A chance de escutar que o serviço era terceirizado e eles não poderiam fazer nada era bem grande. Enquanto analisava o que eu poderia fazer, recebo um SMS da cliente avisando que já estava em Congonhas. Véspera de feriado, a certeza de um enorme congestionamento e ela já estava em Congonhas enquanto eu permanecia estacionada aguardando meu carro! Foi a gota d’água.

Um homem se aproxima do balcão e pergunta se é lá que ele pede o carro. Antes que a solícita recepcionista se manifestasse, peguei o ticket das mãos do homem e respondi que era lá sim. Mas que eu pediria que ele fosse solidário à mim. Contei que eu estava aguardando o carro há mais de quarenta minutos e que eu precisava que houvesse uma mobilização geral de todos os manobristas na busca pelo meu carro. Assim, pediria que ele deixasse o ticket comigo por, no máximo, cinco minutos. Era esse o tempo que eles teriam para trazer o meu carro e, passado este tempo eu ligaria para a polícia dizendo que meu carro tinha sido roubado e que a recepcionista era a chefe da quadrilha.

O homem, de pronto, aceitou. Assim como a mulher que estava atrás dele. A recepcionista começou a chorar “eu não tenho nada a ver com isso. Já pedi o carro!”. Respondi à ela que as lágrimas não estavam me emocionando e que se alguém poderia fazer alguma coisa, esse alguém era ela. E foi chegando mais gente para retirar o carro e a todos eu pedia a compreensão, contava a história toda, apresentava a chefe da quadrilha e segurava o ticket. Para não prejudicar ninguém, numerei os tickets pela ordem de chegada. Passados três minutos e já segurando sete tickets, vejo meu carro dirigido por um funcionário com uniforme de cor diferente. Provavelmente, um supervisor do local.

Agradeci a todos que foram solidários. Chamo o tal supervisor e entrego os tickets para que fossem processados seguindo a ordem de chegada. E que nenhum carro demorasse mais que cinco minutos pois todos foram testemunhas de que, quando eles querem, em três minutos o carro aparece.

Moral da história? Vejo pelo menos três (e aceito mais versões nos comentários aqui do blog). Primeira: como é difícil lidar com pessoas despreparadas para lidar com o público. Segunda: impressionante como é o personagem de Michel Douglas, em “Um dia de fúria” é um pouco o alterego de qualquer cidadão de uma grande metrópole. E, por último, em tempos de redes sociais, as palavras de ordem são engajamento e mobilização. E vale tanto para o mundo virtual como para o mundo real. Minha avó já dizia “uma andorinha não faz verão”.

Gisele Lorenzetti, diretora executiva da LVBA, paulistana que às vezes questiona “num to intendênnndo o qui tá acontecênnndo” , adora cinema e já assistiu “Um dia de fúria” uma dezena de vezes e sempre se pergunta se o filme é ficção ou documentário.

7 comentários:

  1. Deliciosa história, não fosse trágica e real. Sua narração está perfeita. Parabéns. Só senti falta de uma coisa: do endereço do hotel, para que eu não pare por lá. Um grande abraço.
    Flávio Schmidt

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  2. Gisele, me diverti com a história! Acho que isto acontece pois, claro, já passei por situação parecida.

    A Bruna Maturana, uma das colaboradoras do meu blog escreveu esta semana um post que retrata bem também a necessidade de empresas investirem no treinamento/capacitação do pessoal da "linha de frente", o que claro se traduzirá em receita.

    Convido para dar uma olhada em: http://bit.ly/rel025

    Abraços

    Pedro Prochno

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  3. Flavio,
    Obrigada pelos comentários. Decidi não revelar o nome do hotel partindo do princípio que "todos merecem uma nova chance". Depois do episódio, tenho fé: eles vão mudar!
    Abraços

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  4. Pedro,
    Gostei bastante do texto da Bruna. E tenho certeza que o bom atendimento ao cliente é a melhor forma de prevenir crises. Hoje já sabemos gerenciar crises muito bem mas acho que ainda precisamos evoluir um pouco na direção da prevenção.
    Abraços e obrigada pelo comentário.

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  5. Gi, ADOREIII!!! Parabéns!
    Se mais gente fizesse algo quando é mal atendido quem sabe a prestação de serviços melhoraria...

    Veja a matéria deste link
    http://www.mmonline.com.br/noticias.mm?url=Marcas_que_prometem_o_mundo_podem_enfurecer_consumidor&origem=mmbymail

    Bjs

    Mônica

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  6. Mo, adorei o artigo que vc mencionou e já coloquei no twitter.
    Valeu!
    Bjs

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  7. Ri sozinha aqui com seu post. Quando você começa a dizer que foi em uma sexta-feira, véspera de feriado, final de tarde, já estava me preparando para xingar o trânsito paulistano. Mas foi além. Fiquei feliz por duas coisas: sua amiga ter conseguido chegar em Congonhas tão rápido e as pessoas terem sido solidárias. São essas e outras que me fazem continuar acreditando na nossa cidade.

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