quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Pegos de calças curtas... mas nem tanto...

Finalmente uma trégua depois de quase 50 dias de chuva...
Ok, talvez eu não me lembre de um período de chuva contínua tão longo como esse, mas vamos admitir: Há anos reclamamos das chuvas de janeiro e fevereiro e, como em um passe de mágica, esquecemos seus estragos logo após o Carnaval.

Você já pensou nisso? Não é estranho ?

Me parece que todos os anos, em maior ou menor proporção, nos sentimos surpreendidos pelas águas, as enchentes, a perda, a lama, a queda de árvores, os deslizamentos... e nada muda...

Passam os carros alegóricos, as águas de março, chega o outono, passa o inverno, a primavera, chega o bom velhinho e, novamente, a tromba d’água.

Acompanhamos este roteiro em São Paulo desde que o mundo é mundo (tá bem, vai... com algumas pequenas variações) e, ainda assim somos pegos com as calças curtas (na verdade, as dobramos para não molhar).

No espaço de tempo que separa um aguaceiro do outro, pessoas voltam a habitar os perigosos barrancos; homens, mulheres e crianças voltam a jogar toneladas de lixo nas ruas e agem como se a culpa dos males do mundo fosse de São Pedro. Ah... tenham paciência.

Quem conhece o nosso cantinho aqui na Alvarenga, 806, no Bairro do Butantã, deve conhecer também um dos personagens mais simpáticos da LVBA: a Dona Carmem.

Franzina, esta guerreira de 1,50m de altura, que cuida sozinha de toda a bagunça feita pelos LVBAnos – e ainda prepara um cafezinho delicioso – é uma pessoa que, por mais que se esforce, não esquece das consequências das chuvas.

Moradora do município de Carapicuíba, Dona Carmem só aparece despida do seu característico sorriso tendo passado o dia (às vezes noite) anterior limpando os estragos causados pela cheia e fazendo as contas para saber o quanto irá precisar para reaver os bens que a água lhe tomou.

Dona Carmem não reclama do trânsito ocasionado pela chuva, mesmo permanecendo em pé durante grande parte do trajeto percorrido pelo ônibus. Também não coloca a culpa em São Pedro. Sua única reclamação, na verdade, é a de ter que recomeçar sempre.

Não sei nem se posso chamar de reclamação. É, na verdade, uma forma de lamentar a perda de alguns bons anos de trabalho em umas poucas (ou muitas) horas de chuva.

Mas talvez agora, com a decisão tomada na última “batalha”– ela insistia em colocar a água para fora, e a água, por sua vez insistia em permanecer na casa – os sorrisos não sejam mais interrompidos.

O plano, que eu batizo aqui de “manutenção do riso”, é o de reforçar a estrutura de sua casa e concentrar toda a vida – quartos, sala, cozinha e banheiros – no segundo piso da casa, antes que cheguem as chuvas de 2011. Afinal, mudar dali não é algo que ela queira, porque como diz: “Já foi tão difícil conseguir um lugar para construir uma casa, tanta luta. Não dá para deixar para trás assim”.

É. Sejamos francos essa é uma verdade difícil de contestar. Mas uma coisa é certa: mesmo que Dona Carmem saia de lá, mesmo que fique segura à três andares de distância da água, a lembrança destes dias de limpeza e os calafrios causados pelos trovões não serão esquecidos... não serão apagados com o carnaval e as outras estações do ano.

Bom seria se todos os que conhecem uma Dona Carmem também não esquecessem.

Temos mais responsabilidades para com este cenário do que se pode imaginar. E o pior é que sabemos disto.

Wagner Pinho é jornalista e adora tomar o cafezinho da Dona Carmem logo pela manhã. Recordista mundial em número de guarda-chuvas esquecidos, acaba de ganhar um belíssimo exemplar por ocasião do aniversário de 34 anos de LVBA. Ficou muito feliz com o presente e ficará ainda mais quando encontrá-lo novamente.
Ps: Continua sem fumar, como dito em seu último post.

5 comentários:

  1. Gostei! Verdadeiro, alias extremamente verdadeiro. Bom seria se todos tivesem a consciencia de que cada um precisa fazer a sua parte, e que São Pedro é tão vitima quanto nós.
    Além disso, me deu vontade de conhecer o cafezinho da Dona Carmem...

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  2. simplesmente incrível esse texto!
    fato que sabemos muito bem como reclamar, mas não perdemos um pouquinho desse tanto pra pensar no que fazer pra evitar futuros desastres por conta das chuvas.
    e nem imaginamos como deve ser difícil assistir a água levar o que vc conquistou durante toda a vida. não imaginamos mesmo.
    parabéns pela sensibilidade do post! e claro, por continuar sem fumar. #SouFã

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  3. Sofro todas as vezes junto com a D. Carmem... Perco as esperanças e a recupero no mesmo momento em que ela abre o tradicional sorriso, solta aquela gargalhada e volta a levar a vida como tem que ser: com esperança, sabedoria e paciência.

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  4. Nesses dias de chuva, além de fazermos a nossa parte precisamos de sorte. Então, como diria o Dinei (outro famoso personagem da LVBA), boa sorte pra nós!

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