quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Perda ou ganho?

A perda de um ente querido nos faz refletir sobre uma série de aspectos. Digo isso, porque há sete meses meu pai faleceu. Com a morte anunciada há pelo menos 20 anos, cada dia depois de vida de meu pai era uma prova irrefutável de que milagres acontecem. Em 2005, com o desenvolvimento de um novo quadro em sua doença, isso se intensificou e, de lá para cá, cada segundo de vida era comemorado com euforia. Até porque, de acordo com os médicos, aqueles momentos eram uma sobrevida, algo que poderia levar minutos ou anos. Não era possível prever.

Diante desta constatação, nossa família teve a oportunidade de dar a ele todo amor e atenção que, muitas vezes, na correria do dia-a-dia, negligenciamos. A cada espirro, a cada febre, a cada tosse, nós simplesmente o cercávamos de mimos, carícias, abraços e tudo o que costumamos fazer quando amamos alguém.

Diversas vezes, me peguei olhando para ele dormindo. Ficava ali, acompanhando sua respiração para saber se estava vivo. Madrugadas de angústia, horas intermináveis, esperando uma notícia boa, e, muitas vezes éramos recompensados com milagres. Provas de que existe alguma força suprema, capaz de modificar o impossível sem o toque da mão do homem.

Papai era conhecido como imortal. Os amigos e familiares o chamavam carinhosamente de gato, afinal, tinha mais de sete vidas, ou então de Highlander, o imortal guerreiro escocês. Mas a verdade não era bem essa. Seus problemas de saúde eram provenientes de uma predisposição genética somada ao alcoolismo. Para ele foi muito difícil reconhecer essa condição, no entanto, quando se deu conta de que estava destruindo a vida decidiu, sozinho, parar de beber. Foram meses de muito luta para ele. O sofrimento da abstinência só não foi maior que a sua determinação. Depois de nos comunicar que iria deixar o vício, nunca mais ingeriu uma gota de qualquer coisa que pudesse ter álcool na composição. Sua postura mais uma vez foi admirável.

Papaizinho, como seus filhos o chamavam, era um ser humano esplendido, daquele tipo que tem a cara fechada para manter a postura de homem sério, mas que, no entanto, é uma manteiga derretida. Doce e amigável, sua caridade era algo que, muitas vezes, nos irritava, afinal, ele tirava dele para dar aos outros.

Foi mecânico de manutenção e quase não tinha formação. Até os seus 46 anos só tinha o ensino fundamental, o que nunca o impediu de manter fielmente o hábito da leitura. Lia jornais e revistas diariamente e sempre se mantinha informado ao assistir telejornais e programas de entrevistas. Sempre nos incentivou a estudar e era um gênio na matemática. Como seus filhos já se encaminhavam para a universidade ele sentiu-se constrangido e decidiu voltar a estudar. Surpreendeu-nos mais uma vez ao concluir o curso do ensino médio, sendo reconhecido por sua turma e até pela instituição de ensino como exemplo de superação e dedicação.

Apesar de sabermos que sua morte era inevitável, suas recuperações milagrosas fortaleceram a falsa impressão de que ele jamais morreria. Mesmo assim, tivemos a oportunidade de viver os últimos cinco anos de sua vida com muita intensidade. Com sua morte, que apesar de tudo foi inesperada, sofri uma séria mudança de valores. Percebi a quantidade de tempo perdida com coisas fúteis e sem importância.

Nos últimos meses tenho apreendido o que é superar a dor da morte. Podem ser sintomas da saudade, mas, dia após dia, vivencio emoções diferentes: já adoeci, chorei, gritei... Não adiantou.

Vivo na mesma casa e me deparo com objetos que já não têm o mesmo valor. E mesmo tendo amado demais e entregado ao meu pai tudo o que eu tinha de melhor, resta em mim a dúvida sobre ter feito tudo o que era possível para vê-lo feliz. Ainda assim, me tranquiliza a sensação de que ele está mais vivo do que nunca, permeando minhas lembranças e sussurrando em meus ouvidos em todos os instantes, com seus valores e princípios.

Por isso acredito que temos que viver todos os dias com muita intensidade, dar valor as pessoas que nos cercam antes de perdê-las, dizer ‘eu te amo’ com sinceridade e com mais frequência, dar abraços demorados e bem apertados, sorrir ao amanhecer, chorar como criança quando alguma coisa nos machuca, ligar para os amigos e dizer o quanto são importantes na nossa vida, aprender a pedir perdão enquanto há tempo, se preocupar menos com coisas materiais, rir até chorar, fazer caretas quando não gostar de alguma coisa, brincar com os filhos e sobrinhos, orar, ter fé, acreditar em milagres e, acima de tudo, sonhar e celebrar a vida daqueles que amamos.

Aproveitem o início do ano e reflitam sobre a importância e o valor de suas vidas. Revejam seus conceitos e tentem viver cada dia como o último. A vida é uma passagem e, talvez, não reserve a todos a sorte e o tempo que tive para reconhecer e dar o valor que meu pai merecia. A perda foi grande, mas ganhei muito mais. “Papaizinho te amarei por toda eternidade meu querido!”

Deborah Borges dos Reis é uma aquariana apaixonada pela vida, super espontânea, ama intensamente seus amigos e parentes. Para ela sua família é seu maior bem. Acredita que amar é um dom, pois a vida lhe ensinou que todos são capazes de amar e que um sorriso é capaz de aliviar qualquer sofrimento.

7 comentários:

  1. Deh, você sempre me surpreende. Sua história de vida é uma grande lição. Não tenho palavras para expressar toda a emoção que senti ao ler seu texto e o quanto ele me fez refletir sobre como perdemos tempo reclamando de coisas tão pequenas diante de algo tão grandioso como o amor ao próximo. Espero que sua história sirva de exemplo e inpiração não só para mim, mas para todos que lerem esse texto. Um beijo enrome

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  2. Deborah, seu post não podia ser mais adequado para abrir o ano de 2011. É uma homenagem à vida e uma chamada importante sobre o valor do carinho e do afeto. E vamos comemorar a vida em cada dia deste ano que está só começando...
    Parabéns!!

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  3. Mandou bem, Debs!
    Obrigado pelo texto

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  4. Post incrível, Deborah!
    Parabéns!!!

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  5. Débora,
    Tomei um sustão em setembro de 2009 e o livro "Fragilidade", di Jean-Claude Carrièrre me deu uma balançada boa.
    No frigir dos ovos, ele fala da mesma coisa que você.
    Veja se consegue ler, que é fantástico

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  6. Parabéns pelo texto! Achei muito bonito!
    Que esta homenagem lhe alivie um pouco sua dor e traga paz para o seu coração
    Quero lhe mostrar meu profundo sentimento pela sua perda.
    Eu não o conhecia tão bem como você, mas tenho certeza de que ele me amou como a um filho enquanto esteve entre nós.
    Infelizmente não pude retornar o amor na mesma intensidade, nem tudo nesta vida acontece como imaginamos, mas Deus sabe o que faz.
    Desejo que agora ele esteja bem, descansando afinal depois de muita luta.
    Sempre o achei um vencedor, assim como sua esposa e seus filhos.
    Você é uma pessoa incrível, guerreira, surpreendente!
    Sempre te admirei desde que a conheci e agora ainda mais.
    Saiba que pode contar comigo para o que der e vier!
    Te amo de toda a parte do meu coração.

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  7. Que Deus abençõe todos nós e que essa dor e falta sejam aliviadas pelo tempo ,seu comentario nos remete a muitos detalhes aos quais passamos despercebidos todos os dias ,acabamos por dar importancia a coisas materias que no final de tudo ficará aqui e as pessoas com quem discutimos ,brigamos por esse bem material se vão e não poderemos fazer mais nada depois ,meu Tio ,meu Meretissimo lembro como se fosse hoje,ele ainda lutava pra ficar em pé mesmo debilitado de saude ,ainda lutava firmemente pela vida ,porém sua luta se findou e pela vontade de nosso Deus levou ele de um sofrimento extremamente longo ,ele me deixou e nos deixou muitos exemplos bons , eu considerava ele como um pai ,pois ele sabia a hora de cativar e puxar a orelha no momento certo,sinto muita falta dele,seu lado caridoso era enorme ,peço a Deus minha prima que ele conforte o coração e a alma de vocês ,sempre apresentando em minhas orações ,um super abraço e que esse ano de 2011 seja totalmente o contrario de 2010 ,acredito e podemos faze -lo diferente ,bjo bjo !!!

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