quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Pelo fim da pista VIP!

Planeta Terra 2009 - sem pista VIP
No dia 22 de novembro encerrei minha maratona de shows internacionais do ano. Foram sete apresentações individuais e mais dois megafestivais - cada um com, pelo menos, umas 20 bandas. E antes de qualquer pergunta, meu último show do ano não foi do Paul McCartney, que presenciei no dia 21 – aliás, ele era o tema inicial desse post. Como foi uma experiência muito pessoal, resolvi só publicar no meu blog mesmo – e, não fugindo à regra, o evento contou com algo que chamo de “o câncer da produção musical”: a odiada pista VIP. Confie em mim quando digo que a expressão não é exagerada, mas vou explicar tudinho.

Eu sou fã de verdade. Daquelas meio ridículas, que decoram todos os detalhes dos encartes dos álbuns, conhecem discografias de cabo a rabo e sabem cantar todas as músicas. Também sou apaixonada por shows. Essa é uma das únicas oportunidades que os fãs têm para interagir com seus ídolos, mesmo que seja só batendo palma e cantando tudo errado. Afinal, você está lá, vendo alguém que até então era só um mito. É a concretização de um sonho.

Quando alguma banda que eu gosto confirma sua passagem por aqui, é sempre a mesma coisa: desespero momentâneo por não saber de onde tirar grana, começar a guardar o sagrado dinheirinho (depois de descobrir onde ele estava o tempo todo), até chegar o momento de segurar o ingresso e esperar ansiosamente o dia do show. Com o passaporte da felicidade em mãos, já posso imaginar livremente qual será o setlist, quantas músicas terá,  “quais são as chances de tocar aquela lá que eu adoro, do primeiro disco?”. Dependendo do tamanho do amor, dormir na fila por dias não é um problema. O importante é ficar colada na grade, com faixas, cartazes e toda sorte de babaquices que chamem a atenção de alguma das figuras ali no palco para minha presença no meio da plateia. Já consegui alguns autógrafos e até fazer com que tocassem a música que eu peço desse jeito, e não me canso de tentar de novo.

Mas todos meus sonhos foram despedaçados quando inventaram a maldita pista VIP.  Pelo dobro ou triplo do valor do ingresso – que está cada vez mais caro – você pode fazer tudo que está descrito na metade final do parágrafo acima. Isso é, se você tiver uns R$ 500 para desembolsar em todos os shows em que for, algo que se torna insustentável em algum momento. A pista VIP é incompatível com a nossa realidade; seus preços são impraticáveis.

Desde que o Brasil entrou de vez na rota dos shows gringos, a pista VIP tem nos perseguido. Em 2006, quando comecei a ir a um número maior de apresentações, ela já estava presente. Além de esfriar o mais elétrico dos shows, artista nenhum gosta, porque sabem que os fãs de verdade, aqueles que desenterraram uma camiseta surrada para ir ao estádio e que tinham pôsteres na parede do quarto, estão lá no fundo, separados por uma grade cercada de seguranças carrancudos e mal preparados.

E é lá que o show acontece. É lá que a galera pula e se encharca de suor. É de lá que vem o coro em todas as músicas e as palmas sincronizadas. O artista percebe isso, e alguns até incitam a invasão, como fez Tom Morello, do Rage Against The Machine, ao saber que os shows que a banda faria na América do Sul teriam a tão detestada pista VIP. No Brasil e no Chile, os fãs derrubaram a grade, deixando os responsáveis pela organização em pânico. Quem conseguiu passar para o outro lado ficou bem feliz, e a banda também.

RATM em Santiago. Na descrição do vídeo, os chilenos previram o futuro:
"el genesis de la muerte de la cancha vip".

Claro que isso não é certo, mas, sem essa provocação, todo mundo sai perdendo. Quer dizer, quase todo mundo. Pseudofamosos, os embaixadores da pista VIP, conseguem mais quinze minutinhos de fama. Os amigos dos organizadores, que nem sabem quem está no palco, também têm seu momento, para se sentirem mais importantes. Os artistas descolam mais alguns zeros no cachê ao permitir essa prática. E, é claro, as produtoras, que lucram muito mais com os preços inflacionados dos ingressos. Fora isso, qual é o objetivo da pista VIP? Nenhum outro além de separar fãs de verdade e banda.

Falo isso com conhecimento de causa. No último dia do tão falado SWU Music and Arts Festival, fui de pista VIP pela primeira vez. Ela seria completamente dispensável se, por uma falha imperdoável da organização, os telões não tivessem parado de funcionar durante o show do Queens of the Stone Age, a banda que me levou até lá. Mas não pretendo pagar para ir de pista VIP de novo. Tirando a chance de poder ficar de cara com o palco, não existe nenhuma vantagem. Não é mais confortável, não tem um bar gratuito, não tem banheiro limpo. A pista VIP só separa quem pode pagar mais de quem não pode. E, pelo que eu pude ver, os fãs não estão podendo gastar muito com ingresso, já que não tinham muitos por lá.

O pior é que não há como fazer boicote. Se você não for ao show, qual será a próxima chance? O Paul McCartney, por exemplo, demorou 17 anos para voltar ao Brasil. Não compensa esperar por algo que talvez não aconteça mais. Pelo jeito como as coisas estão caminhando, teremos que nos conformar com esse abuso.

Ou podemos ter esperanças.

No festival Planeta Terra, que já teve quatro edições muito bem sucedidas, não existe pista VIP; existe área VIP. Em camarotes ao lado dos palcos e com boa vista, os endinheirados têm direito a open bar, comidinhas, lounge para descanso, DJ e muita aparição. As pessoas que foram para curtir seus artistas preferidos podem disputar a grade, do jeito que todo mundo gosta. Ninguém incomoda ninguém.

O U2, que se apresenta no Morumbi em abril, deixou muitos fãs com sorrisos de orelha a orelha quando falou que não haveria pista VIP (mas surgiu um boato de que a produtora daria um jeito de contornar essa cláusula contratual). O Rock In Rio, que volta à Cidade Maravilhosa em setembro, anunciou que não terá pista VIP. Melhor ainda, os ingressos têm um preço acessível.

O Brasil ainda tem muito a aprender com quem sabe fazer megaevento. Nos Coachellas, Lollapaloozas e Glastonburys da vida, festivais com muito mais artistas do que estamos acostumados a ver por aqui (e, consequentemente muito mais público), funciona assim: quem pagou mais caro para ter mais mordomias tem áreas reservadas atrás ou ao lado dos palcos. Mas, se quiser ver o show, vai ter que se espremer no meio da galera.

Em 2011, começo mais uma jornada de shows gringos. Ainda não sei em quais vou e nem se serão bons, mas vai bastar não ter pista VIP para ficar mais agradável. Se eu voltar daqui um ano, espero que seja com notícias muito melhores!

Natalia Máximo é viciada em música e contra a pista VIP. Já cansou de ouvir comentários como “dava para dar entrada em um carro zero com o dinheiro que você gasta em shows”, mas prioridades são prioridades. Já está economizando para ir ao Coachella ou ao Glastonbury em 2012, só ainda não conseguiu escolher qual (por que não os dois?). Em seu blog, o Caleidoscópio Dental, sempre escreve sobre os shows em que foi - e muitas outras coisas dessa vida cada vez mais maluca.

5 comentários:

  1. Oi Natalia?!
    Meio q em defesa do U2... Também odeio esse negócio de pista Vip, pois sou fã e quero estar lá prensada no palco com outras 69.999 pessoas me empurrando na grade ou tentando me tirar do lugar... Em 2006, fui a turnê Vertigo e amei qdo a hot area ficou reservada para as primeiras 2mil pessoas q chegassem ao show. Eu estava lá. Não dormi na fila, mas às 9h da manhã de uma segunda-feira já tomava sol na fila do Morumbi.
    Este ano, fiquei furiosa qdo vi q cobrariam pela Red Zone e eu tinha lido por aí q não houve esse absurdo de R$1mil para todo o mundo. Quem ficava ali era quem comprava pelo site da banda... O q me deixou feliz foi ver o desenho oficial do palco e ver q o miolo dele é aberto para o público e nem tudo em volta custa R$1mil. Vou pagar os R$180 pra ficar encostada na grade tb, seja do miolo ou ao lado de quem pagou essa grana toda e fez a doação dos R$840 a Red.

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  2. Toda a turnê 360 do U2 teve a Red Zone. Em muitos casos os tickets foram vendidos por meio de leilão, o que aumentou as contribuições, e toda a arrecadação vai para as ações sociais que a banda apóia.
    O bom é que como o palco é 360, existe espaço para o pessoal da pista comum colar junto da banda também.

    Fui ao show no Wembley Stadium, em agosto de 2009, e pretendo repetir a dose em São Paulo.

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  3. Concordo plenamente.

    Lendo o seu post, lembrei de um outro texto que li sobre o assunto recentemente. Acho que vale vc dar uma olhada e constatar que mais pessoas pensam como você....
    http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/ideias/o-pais-dos-vips/

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